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Sobre dentes, vida travestida e arco-íris


       Quando eu pensava que o ano acabaria melancólico, monótono, subitamente dois pacientes me deram de presente a história a seguir.
Nas primeiras horas de atendimento, véspera de fim de ano, eis que dois pacientes chegam ao consultório odontológico exalando um odor de álcool que impregnou o ambiente. O primeiro, um senhor de 65 anos, e o segundo 45 anos enfiados numa calça colada ao corpo e cabelos longos. Dispararam histórias como metralhadoras em campo de guerra. Primeiro fizeram questão de ressaltar que fossem chamados, ou melhor, chamadas, pelos nomes de Condoliza Blight (certamente alusão à Condoleezza Rice) e Emanuelle Ponto Com (isso mesmo, como um sítio na web), e não esconderam o desejo de ser feminino ao extremo. Riam a todo instante, insistiam em abraçar-me constantemente. Tornaram-se o centro das atenções como celebridades seguidas por paparazzi, porém sem flashes nem autógrafos.
O mais velho falava a todo instante: -Vida boa é a sua - e dava grandes risadas seguidas pela mesma história: a ausência de todos os dentes o estava incomodando fortemente. O que o fez sentir a falta dos dentes, segundo ele, foi terem dito que suas pernas eram lindas, porém sua boca era feia. Isso o deixou literalmente desapontado, queria desesperadamente os dentes de volta. Vestia uma saia vermelha curtíssima  para exaltar mais as pernas do que a boca desdentada.
Os dois desejaram paz, amor e um feliz ano novo para todos os presentes, resumiram em poucas palavras o que tudo significava para eles: -"Vocês podem rir, isso não faz mal, mesmo sem os meus dentes eu ainda consigo sorrir, mesmo tendo dívidas e mais dívidas eu ainda consigo sorrir, sofrendo preconceitos, humilhações, sendo ridicularizada por mentes vazias, eu ainda consigo sorrir, mesmo sabendo que vida boa é a sua...”, -falou Condoliza.
Talvez não, Condoliza Blight, talvez vida boa seja a sua, que supera diariamente preconceitos, dificuldades físicas e emocionais e as transforma em comédia, faz as pessoas rirem por puro prazer de ver um sorriso estampado em bocas que refletem aquilo que você gostaria para você. Imagens claras de um mundo que não é seu, porque o seu mundo é mais colorido, um arco-íris ilumina seu rosto.
Os dois foram orientados a retornar em outro momento para que uma prótese fosse confeccionada para Condoliza, ele insistia em ser chamado assim, e saíram de mãos dadas rindo da vida...


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Nuvens, algodão e dentes



 Cecília chegou ao consultório odontológico extremamente nervosa, falava sem parar e repetia insistentemente:
-“Distraia” meus dentes!!
E eu ali, parado, ouvindo aquela jovem de 25 anos soltar palavras como uma metralhadora prestes a dar o último tiro. E o último tiro de Cecília veio quando subitamente ela retirou a mão da boca e gritou:
- Olha ai doutor, meus dentes são feios!!
Da boca aberta de Cecília eu enxerguei uma nuvem branca pairando sobre seus dentes. Estava tudo tão embaçado para minha primeira impressão que não cheguei a acreditar no que vira: muito algodão sobre os dentes da jovem. Indagada sobre a causa de tal ato, ela falou mais calma:
-Sempre quis meus dentes brancos como as nuvens, e como nunca consegui resolvi ficar colando algodão nos dentes, mas agora quero mesmo é “distrair” tudo.
Na linguagem de Cecília “distrair” é entendido como retirar todos os dentes, um passatempo nada agradável. Depois de conversar com a jovem, ela decidiu iniciar tratamento para que possamos tentar, pelo menos, ao restaurar seus dentes deixá-los com aspecto que a faça aceitá-los, talvez não tão brancos como as nuvens do mundo imaginado.
Ao vê-la ali, na minha frente, decretando a morte de seus dentes, e tratando-os como seres malévolos que precisariam ser extirpados, eu vi quanto o mundo de Cecília era marcado por medos, dúvidas e solidão devido a reclusão social causada pelo sorriso que não a agradava. Ao retirar todos aqueles algodões da boca da jovem eu passei a me sentir com uma missão, e do medo de Cecília fui invadido pela dúvida se a estaria agradando realmente. Mas, pelo menos ali, naquele momento, passamos a nos entender, e talvez Cecília se viu diante da possibilidade de continuar sorrindo e vivendo sem precisar passar pela tortura de perder os dentes, ou da clausura retida com algodão.
Cecília saiu e fiquei a pensar o que mais ainda pode aparecer na minha frente...

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Fonte da imagem:belasmensagens.zip.net 

Dos olhos de Camila

    Camila tem 4 anos de idade,e chegou ao consultório odontológico carregada pela mãe. Os olhos verdes de Camila passaram uma sensação de paz e dúvida diante do olhar assustado da garotinha.
    Mas logo toda a tranquilidade fora substituída por gritos e mais gritos de uma Camila desesperada para fugir daquele ambiente. E a mãe da garota foi enfática ao falar:
    - Não faça isso, seu pai não vai gostar!
    E eu já imaginando que seria bem melhor o pai da garota entrar no consultório para tentar acalmá-la, e falei:
    - Ele pode entrar, não vejo problema!
    Foi então que a senhora completou:
    -Ele faleceu faz uns 4 meses doutor!
    E eu ali, estático, sem saber o que dizer. Um silêncio descomunal tomou conta do lugar, e os gritos de Camila cessaram.
    -Bem, fisicamente ele não está, mas com certeza espiritualmente sim-tentei consertar.
    E aquela senhora falou coisas simples, mas de uma grandeza enorme que me fizeram entender realmente que são os momentos simples da vida que nos fazem ser muito mais do que imaginamos. E ela passou a contar em poucos minutos o destino de Camila e a perda do pai precocemente vítima de um disparo acidental de uma arma.
    Foi assim que ela relatou: encontrou o marido caído no chão depois de horas procurando-o, ela afirma que foi tudo acidental, a arma disparou sem sombra de dúvida por um erro do destino. Certamente nem ela nem ninguém pode dar as respostas, pelo menos agora não...
    E Camila ouvia tudo aquilo com seus olhos verdes e ouvidos atentos. E os gritos acabaram, e da bolsa que carregava ela retirou a foto do marido e entregou-a para a filha segurar enquanto era atendida. Lágrimas escorriam de seus olhos...
    São histórias como esta, simples, mas que carregam a marca e a força do ser humano que farão falta na minha vida. Mudanças tendem a ocorrer num futuro bem próximo, e talvez as histórias contadas aqui terão uma lacuna bem maior, como já tiveram há algum tempo quando tive que parar para me dedicar ao mestrado.Mas tudo é incerto ainda, e como os olhos verdes de Camila continuarei a olhar sempre cada vida como sendo protagonista de histórias espetaculares, simples, mas extraordinárias.
    Muitas histórias como esta estão eternizadas no livro De Boca Aberta.
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FONTE DA IMAGEM:

A MENINA DOS TEUS OLHOS VERDES
silvanaduboc.blogspot.com


                                  
                                        

Crônicas de vidas na cadeira odontológica

    Depois de alguns anos escrevendo por aqui, retratando histórias e compartilhando vidas que se delinearam através das idas ao consultório odontológico. Chegou o momento de trilhar novos caminhos...
    As "Crônicas de vidas na cadeira odontológica" representam o melhor já publicado por aqui e algumas novidades, novos personagens, muitos destinos, várias possibilidades.
   Espero que as histórias contadas aqui, surgidas a partir deles-os pacientes-porque sem eles não existiria este blog, não se concretizaria o livro-possam fazer com que a Odontologia seja vista cada vez mais como parte de um todo, de um coletivo, e que possamos cada vez mais sair do consultório e chegar até milhões de desassistidos.
           Bocas, dentes e gengivas são reflexos das condições sociais, e o papel assumido pela Saúde Bucal Coletiva deve ser expandido, vivenciado, experimentado a cada momento, a cada palavra, a cada gesto...
     Estejamos sempre dispostos a ouvir, fiquemos sempre "De Boca Aberta" para o mundo...
     Entre no site do Clube de Autores, adquira o livro na versão impressa ou pdf! Deixe comentários por lá, divulgue a ideia.

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De Boca Aberta: O Livro

      Muitas coisas aconteceram nos últimos tempos, e não ocultarei que por várias vezes pensei que o título da atual postagem seria: O ÚLTIMO POST... E por fim, o fim do blog!
         Certamente as histórias não acabaram, muitas vidas ainda cruzam minha vida, e muitas são escancaradas ainda na cadeira odontológica. Mas o tempo muitas vezes não está ao lado das histórias, porém elas ficam todas bem guardadas, acalentadas pela mente, tratadas como amigos, como afetos a serem disponibilizados para quem curte o que escrevo.
        Nos últimos tempos nunca deixei de pensar em todas estas histórias e na possibilidade de voltar a retratá-las. Mas não deixei de escrevê-las...
       O fato é que muitas das histórias contadas aqui estarão escancaradas nas páginas de um livro: o De Boca Aberta virará livro! 
                   Vou deixar o restante para depois... Para muito breve!
       Espero que o livro seja bem vindo tanto quanto o são todos os protagonistas das minhas histórias.

Dos loucos, alcoólatras e algumas bocas

  Dois casos em menos de 48 horas caíram na minha frente através de duas histórias protagonizadas por pessoas incomuns, caracterizadas por angústias, impaciência,loucura e vícios. Tudo isso chega,sim,a um consultório odontológico público... E são minhas escolhas, e são as escolhas deles,pacientes, que nos colocam frente a frente num enredo caracterizado por tortuosos desfechos.
  A irmã de um pequeno paciente chegou ao consultório e insistiu veementemente que a criança precisava de um clareamento. Até aí tudo bem, mas ela conhecia a boca do menor decorada, cada dente, cada pedaço da boca dele era descrito por ela( juro que me assustei), mas o susto mesmo veio quando ela descobriu meu telefone e passou a me ligar,depois descobriu minha casa e foi tocar a campainha. Então me falaram que ela é bipolar,e coitado de mim, a bola da vez, ou dela,quem sabe. Depois de tanto insistir ela sumiu...
  Vinte e quatro horas depois um senhor alcoolizado entrou no consultório e insistiu que eu extraísse um dente hígido dele e sem anestesia (juro que deu vontade). Esse senhor ainda voltou mais duas vezes,e em todas estava caindo,literalmente bêbado. Deve tá numa ressaca daquelas agora ( e que não volte mais).Certo que outro louco já invadiu o consultório que eu trabalho e queria quebrar tudo. Prenderam ele depois de  sair do consultório escoltado pelo segurança, ele foi tentar quebrar a igreja evangélica da rua ao lado. Passou a noite na prisão pra compensar.
  Pra finalizar, despejo toda carga de boas energias pra quem mora por aqui e pra quem tá lendo essas poucas linhas. Que a paz substitua a loucura de corações aflitos e sedentos de educação, amor, cultura, lazer saudável e paz, muita paz.

O caso das glândulas respiratórias

Uma senhora,a última (im)paciente,conversava sem parar,e antes mesmo de sentar na cadeira odntológica foi advertindo:
-Olha só doutor,cuidado com minhas glândulas respiratórias? -Glândulas respiratórias??!!!-perguntei.
-Sim,sou anti-alérgica(esse não é o primeiro paciente que se autodenomina anti-alérgico),e minhas glândulas respiratórias não são boas não...
Feita a anamnese,e não sendo constatado nada de anormal com  a paciente perguntei:
-E a senhora tem problemas respiratórios?
-Nào,não!!!
- E como surgiu esse problema nas glândulas respiratórias?Não seriam glândulas salivares?(Pensei em xerostomia).
-Não ,não!!! É glândula respiratória mesmo doutor!Tipo assim,eu já tive um problema de pele,minha pele descamava igual escama de peixe,e daí o médico falou que eu tinha um problema nas glândulas respiratórias...
-Ah... Na pele então o problema..
.-Sim,sim...
Mas nada a impediu de abrir a boca e ser feito o procedimento.Ela realmente deve ter confundido,ou não lembrava do nome da glândula específica da pele(tentei ainda contornar para sudorípara),mas a senhora insistia em respiratória.Fazer o quê ,hein? 
E ela saiu com suas glândulas respiratórias sob a pele que descamava feito escama de peixe...

Odontologia de Barzinho

Era uma noite de sábado,e naquele barzinho tocava uma música agradável.Muitas conversas, algumas bebidas e fui apresentado a uma garota muito simpática que estava acompanhada do namorado.É aí que começa o caso de hoje,vamos lá:
Depois de muitas doses de vodka a garota descobriu que eu era dentista(pensei,putz,vai começar o ritual da “olhadinha aqui,ali”),e soltou gritando(sim,ela tinha que gritar pois a música era alta demais):
-Não acredito que você é dentista?!? Juraaa???
-Sim,sou!Mas mudando de assunto,você curte essa música que tá tocando( Nessa hora tocava Me Adora,da Pitty)?
-Cuuurto!!Mas que ótimo que você é dentista!!- e ela continuou-Estou precisando mesmo ir ao dentista,mas ta muito caro,vocês cobram muito caro!!!Preciso saber qual é o dente 27!! Quel é o dente 27?( E abriu o bocão).
-O dente 27 é aquele ali ó!!-mostrei ,enquanto ela puxava minha mão pra colocar meu dedo dentro da boca dela,bem em cima do elemento 27.(Foi constrangedor,confesso).
Eu tentava mudar de assunto a todo custo,mas ela insistia,e o namorado dela já me olhava com cara de ódio.E ela soltava mais uma pérola:
-Olha só,toda vez que eu escovo meus dentes sai sangue,por que será hein???
-Provavelmente você tem gengivite(doença da gengiva,expliquei)!
-Acho que não tenho isso aí não!!! Tenho mesmo é 5 dentes cariados,e toda vez que vou no dentista ela vai obturar uma cárie e sempre tem outra colada,bem do lado,bem juntinho...( e ela fazia gestos com as mãos,gestos desconexos,completamente).
-Você usa fio dental?
-Nos dentes não!!!( e riu,riu que achei que ela tava tendo um ataque epiléptico e ia cair dura no chão)
-Pois passe a usar fio dental,vá ao dentista e obture essas suas cáries!!!
Ao som de Rehab de Amy Winehouse o namorado dela descobriu que a gengiva dela sangra direto,que ela tem vários dentes cariados,e que não gosta de usar fio dental.E depois disso tudo ela ainda abriu o bocao novamente para mostrar que os dentes dela eram tortos e que ela precisaria usar aparelho.E eu fiz o quê?Bem,eu levantei,arrastei minha amiga,peguei a dose de vodka e fui pra outro bar...

O cavaco

Depois que esse paciente,um senhor de 56 anos chegou ao consultório odontológico,passei o dia inteiro pensando em samba de mesa.Mas por quê? Bem,vamos ao caso:

Mesmo antes de entrar,ele já foi logo falando,(quase gritando como se eu fosse surdo):
-O senhor,doutor,tira cavaco?
-Cavaco de cavaquinho senhor?-perguntei brincando.
-Nãooooo!!! De cavacão mermo ora!!-respondeu ele assustado.
O paciente deitou na cadeira odontológica,e foi feito o exame bucal.Mas ele não parava de falar,disparava segundo a segundo uma pérola.
-Já viu o cavaco???
-Já sim!!! –respondia.
-Dá pra distrair o cavaco ou não dá?
-Dá sim senhor,pode deixar comigo que se depender de mim esse cavaco sai da sua boca hoje e vai fazer a festa noutro lugar!!
-Cuma???-perguntou ele sem entender nada do que falei.
Então,o que ele queria mesmo era somente extrair,ops distrair,a raiz residual que o incomodava a tempos.E depois de terminado,ele disse:
-Eita,cadê o  o cavacão doutor? Distraiu o danado mermo??
-Sim,sim! Não se preocupe!-respondi.
De acordo com o Aurélio,a palavra cavaco significa lasca de madeira,bate-papo,,e contrariedade passageira.Também pode ser um instrumento musical de cordas,com caixa de tambor e braço longo e estreito que pode também ser chamado de banjo.Mas o grande dicionário popular- cultural –sociológico- odontológico vive e sobrevive da vida,do trabalho,da cultura,do saber sem etnocentrismos de nosso povo brasileiro.E aquele senhor saiu do consultório rindo,e ficou na minha mente  o samba Maneiras de Zeca Pagodinho com o Rappa: Se eu quiser fumar eu fumo,
se eu quiser beber eu bebo
Eu pago tudo que eu consumo
com o suor do meu emprego
Confusão eu não arrumo,
mas também não peço arrego
Eu um dia me aprumo,
pois tenho fé no meu apego...


E o cavaco se foi e essa música colou por horas na minha cabeça!

A ira de Gustavo


    Gustavo tem apenas cinco anos e chegou ao consultório odontológico acompanhado da mãe,uma jovem de 23 anos.
     Quando Gustavo veio ao mundo,sua mãe era apenas uma adolescente que acrescentava números às tão drásticas estatísticas de mães adolescentes,solteiras e completamente despreparadas.

      Sério,olhar inquieto,mãos comprimidas,e sempre ao lado da mãe o garoto não abriu a boca uma única vez até deitar na cadeira odontológica e começar a gritar,gritar e gritar sem parar.Os pedidos da mãe foram em vão,e o silêncio só veio depois de muitas promessas,de muita conversa.E logo foi interrompido por mais gritos...
      Gustavo passou a esmurrar a mãe com uma força impressionante,e a jovem completamente sem ação parecia deixar-se dominar pelo garotinho.Pedi calmamente que ele parasse,e que nada de ruim seria feito com ele,absolutamente nada.E a jovem mãe gritou,era sua vez de gritar.Foi então que o garoto começou a se esmurrar,dava murros no próprio corpo com muita força.Pedi que saíssem do consultório,e só assim Gustavo se acalmou.
       Lembrei de outros pequenos pacientes que já quebraram fotopolimerizadores,derrubaram bandejas,morderam meus dedos...
       Gustavo saiu arrastado pelas mãos da mãe que não conseguia controlar a ira do pequeno,e ele só tinha 5 anos...

Feliz dente novo!!


        Quando aquela senhora de 70 anos chegou ao consultório odontológico, era uma manhã chuvosa,fria e tranquila. Calma e serena, ela foi logo relatando que não era ela a paciente,e sim seu filho,o 'nenem',que precisava de orientações.
    Bem, pensei que ''nenem'' se tratasse do neto ou bisneto dela. Mas não, quando abriu-se a porta do consultório e entrou aquele senhor de mais ou menos 40 anos de idade, não tive dúvidas, o ''nenem'' era mesmo o filho mais novo dela,ou seja,o senhor de 40 anos.
     E ela não dava espaço para ''nenem'' falar. E disse que eu desse uma olhadinha na boca dele,pois ao tomar banho no rio,a dentadura caiu na água e perdeu-se,sumiu na correnteza.E agora ''nenem'' tinha somente cinco dentes inferiores cariados.E ela queria que imediatamente eu distraísse os 5 dentes restantes, coitados, culpados,vilões da história.
     Daí em diante foi uma epopéia tentar mostrar para a senhora e para o ''nenem'' que os 5 dentes cariados poderiam ser tratados e ficarem na boca dele.Muita saliva gasta,e alguns minutos depois ela olha pra mim e diz: ''Tudo bem doutorzinho,pois arremedie esse danado desse dente''.
     Depois de restaurado um dos dentes,ela sentiu-se feliz,e ''nenem'' idem.E prometeu retornar para tratar os 4 restantes,e claro,confeccionar uma prótese total para ''nenem''.
         Ela sorriu,olhou para o filho e disse: "Ficou bom mesmo...''.
   Gostaria de desejar um 2010 repleto de muita paz e realizações para todos que frequentam meu blog e curtem ler meus casos.

      Que muitos outros casos,causas e histórias ainda permeiem por mais 365 dias vindouros.
       Que muitos pacientes, com seus dramas,alegrias e   anseios possam povoar meu imaginário.Sem eles isso não seria possível...


                      abraços

                


                 





             

      

De pernas pro ar


   Quando aquele senhor entrou no consultório odontológico já era final de mais um dia de atendimento, de mais uma semana. 
   Nos cumprimentamos, virei-me para calçar o par de luvas e voltei minha atenção para ele. E foi aí que deparei-me com uma cena inusitada. O paciente estava deitado na cadeira odontológica com os pés em cima do encosto que deveria estar colocada a cabeça dele,ou seja,literalmente de pernas pro ar.
   Falei: "Senhor, desculpa, mas não conseguirei alcançar sua boca dessa forma...". E examinar os dedões dos pés dele estava fora de cogitação. E todos aqueles dedões voltados para meu rosto...
   Ele atrapalhou-se mais ainda, e uma sucessão de palavras desconexas foram soltas. E muitas,muitas desculpas aceitas e entendidas devidamente...
   Ele tinha 65 anos, era sua primeira visita ao consultório odontológico, até aí tudo bem.Mas acreditar que naquela posição eu conseguiria alcançar a boca dele, daí é uma outra história. Nem com todo o alongamento possível eu conseguiria tanta elasticidade. E começamos a rir, eu, ele e a auxiliar...
   E como hoje é sexta, esse último paciente encerrou a semana com risos,muitos risos. E como é bom rir...

 

Yokut


Da rotina diária do consultório odontológico, do previsível ao inusitado, tudo pode acontecer saindo da boca de pacientes por vezes impacientes, inseguros, tristes,alegres...
Muitos confundem as relações sociais e levam para o lado sentimental beirando ao amor platônico codificado em idas ao consultório para tratamento. Foi assim com uma senhora que queria porque queria passar o carnaval comigo, e haja paciência para sair dessa saia tão justa. A ética sempre prevalece.
Hoje uma adolescente insistiu em saber se eu tinha "YOKUT". Subitamente falou: "Você tem yokut?", e eu respondi que não ,não tenho. A mesma paciente já havia deixado inúmeros bilhetinhos com flores e desenhos de corações. Até querer me adicionar no yokut dela.
Não alonguei o papo sobre a rede de relacionamento virtual confundida pela paciente, mas tratei de mudar o foco da conversa para algo mais real, sobre o tratamento dela que estava findando e algumas recomendações de higiene bucal.
E o yokut? Bem, o yokut que ,na verdade, nada mais é do que o famoso orkut , foi apenas o coadjuvante da tentativa da adolescente de começar uma conversa que não fosse restrita aos assuntos de Saúde Bucal. E o yokut ficou para trás...


amilton

A volta de Doug Funny


Tudo parecia tranquilo demais no consultório odontológico, tranquilo até o momento que aquele garotinho da semana passada, que dizia ser o personagem Doug funny, retornou para atendimento. "Olha não vim só não ,viu?", entrou falando alto, e completou: "Trouxe ajuda!". A ajuda que ele se referia , vim a descobrir minutos depois, se tratava do irmãozinho dele de apenas 2 anos, que estava mais para o personagem Dennis- Pimentinha.
O Doug sentou na cadeira odontológica, o pai do lado,e a mãe tentava segurar Dennis,mas foi inevitável. Ele começou a correr dentro do consultório, derrubou cadeiras, puxou bandejas, derrubou fotopolimerizador,e enquanto isso , Doug ria desesperadamente, e olhava pra minha cara com ar de vingança,e eu sem saber o que fazer. A auxiliar largou o sugador e saiu tentando segurar Dennis-o Pimentinha, que convenhamos ,estava mais para formiga atômica de tanto que correu dentro do consultório. Depois de devidamente imobilizado pela mãe, Dennis é retirado aos gritos, e Doug começa a chorar...
Minha sexta tinha que terminar assim?!?
Depois de muito tentar, Doug Funny deixou que realizasse um selante na boca dele,mas isso depois de mil promessas de brinquedos e mais brinquedos por parte do pai.
E a família Funny saiu do consultório...

Já estou pensando quantas conspirações acontecem para que muitas loucuras surjam numa sexta,e tudo que eu queria era ir pra casa...



amilton


Que diabo é isso doutor?!?


Muitos pacientes hipocondríacos e "pitiátricos" visitam a Unidade de Saúde da Família à qual trabalho. Toda semana os mesmos rostos se repetem na ânsia de recebrem os mesmos medicamentos,e sempre,quase sempre, são as mesmas reclamações,os mesmos problemas que já se tornaram crônicos na cabeça deles. Muitos já chegaram até o consultório odontológico simplesmente porque estavam querendo aquele "remedinho". E depois de incansáveis minutos tentando esclarecer que remédio somente prescrito na devida necessidade,lá estão eles na outra semana.
Durante esses dias,uma senhora, frequentadora assídua dos corredores da unidade de saúde, levou a filha adolescente para o dentista. Nada foi encontrado ,nenhuma cárie,nada,mas a mãe da paciente relutava e afirmava que algo estava errado com a boca da filha dela. Não podia ser, a filha dela tinha que ter a doença cárie. Fiquei ouvindo ela falar: "Mas doutor, ela tem sim a doença na boca", e olhava pra adolescente e retrucava-"Num é menina, diz ai que tu sente dor na garganta..."- e a adolescente,tadinha, coagida a afirmar que sentia dores na garganta. Daí falei que então ela seria encaminhada para o médico que estava na sala o lado,e então ela disse: "No médico? Não,ele já disse que ela num tem nada,por isso estou com ela aqui porque o senhor vai ver que ela tem problema na boca sim...". Depois de muito conversar com ela, nada adiantava para apagar,deletar da cabeça dela que a filha não tinha nenhum problema físico. Cheguei a pensar,mas não falei ,que quem percisa de tratamento é ela, a mãe e não a adolescente coagida pelos caprichos de uma mãe atormentada pela hiponcria e que tenta repassar os problemas que estão na cabeça dela, a mãe,para a filha. Ela saiu insatisfeita...
No outro dia lá estava ela novamente, com a filha mais nova, reclamando que a garota estava com um caroço na boca e devia ser câncer. Na idade dela,8 anos,bem pouco provável que seja câncer de boca,falei. Ao proceder ao exame clínico encontrei no lábio inferior da garota um pequeno mucocele,provavelmente ocasionado por trauma físico local. Expliquei para a senhora o que significava aquele "carocinho" que já estava a dois meses lá,segundo relato da paciente. Foi feito pequeno procedimento de marsupialização da lesão. No final,nas recomendações, falei à senhora de todos os cuidados pós-operatórios que ela deveria ter com a filha, e atentei para alimentação que deveria ser pastosa naquele dia. Então ela saltou falando: "Pastosa, que diabo é isso doutor? Aonde eu acho esse remédio? Prescreve aí!!". Confesso que fiz esforço grande para não rir na cara dela, e xpliquei que pastosa é o tipo de alimentação,de comida que deveria ser mais líquida e não sólida,dura etc. Ela parece que não gostou muito não,enxerguei no olhar dela uma certa tristeza,talvez porque ela esperasse que pastosa fosse um remédio que ela levaria para casa. E ela saiu levando a filha, faz dois dias e eu ainda não a vi pelos corredores da unidade de saúde.
Mas ela voltará, com certeza voltará...


amilton


"Tenho Câncer na Boca"


Quando aquela senhora de 56 anos chegou ao consultório odontológico procurando, assustada, mostrar,segundo ela,"aquele caroço" na boca, eu não imaginava ouvir uma sequência de relatos de uma vida aparentemente normal.
Ela começou falando que não gostaria de morrer, que estava com muito medo,que a vida dela tinha sido sempre marcada por tragédias pessoais. Não queria partir e deixar sua família,sua casa,enfim,mostrou-se muito apegada à vida material que ela vive. E pior, estava sofrendo por antecipação. Acreditava,segundo ela, que estava com câncer de boca."Tenho câncer na boca,tenho certeza disso doutor",afirmou ela.
Aquela senhora estava a dias vivendo em torno de algo que ainda nem se quer existe concretamente. E tudo na vida dela mudou por causa disso,e mal sabe ela que a força do nosso pensamento é tão grande que podemos tornar realidade tudo aquilo que traçamos dentro de nossas mentes. São sintonias de energias que serão trocadas,tudo guiado por nossa mente que trabalha a cada segundo,sem parar.
Depois de feita a anamnese e passado ao exame clínico da cavidade bucal daquela senhora, foi constatao realmente uma pequena lesão com características hiperplásicas,possivelmente ocasionada por trauma físico devido à uma prótese total mal adaptada usada a mais de 10 anos pela paciente, que foi orientada a não usá-la por uma semana e retornar ao consultório para remoção da lesão.
Aconselhada a mudar seus pensamentos, e esclarecida sobre tudo, a senhora pareceu mais tranquila, acho até que já não se via mais morrendo por causa de tudo aquilo que ela relatou.; E saiu para retornar uma semana depois...
Quantos problemas criamos em nossas mentes e que nunca existirão realmente?
Quantos sofrimentos antecipamos?
E nossa mente trabalha sem parar...

amilton


"...Agora vou assistir ao Ben 10"


Quando aquele garotinho de apenas cinco anos entrou no consultório odontológico, logo pensei que possivelmente teria problemas em realizar qualquer procedimento na boca dele. Mas enganei-me, pois o pequeno paciente se mostrou dono de uma paciência tremenda para me ouvir,e sem dizer uma só palavra foi logo abrindo a boca como se quisesse que tudo aquilo acabasse logo. Falei que não precisava abrir a boca naquele momento,depois sim... Foi aí que ele começou a falar... Perguntou se eu tinha alguma "agulha" ali, e se usaria nele, e rapidamente respondi que não usaria nenhuma agulha nele. Incrível a capacidade de argumentação dele ao falar que não queria sentar naquela cadeira, sua mãe que prometeu um presente pra ele se o comportamento dele fosse bom. Bem, até o momento, disse eu, seu comportamento está muito bom mesmo. Ele respondeu rapidamente: "Então acaba logo com isso..." . Fiquei sem ter o que dizer, e para cada pergunta minha ele tinha um argumento na ponta da língua. Suas palavras eram soltas pela metade, e ele falou de muita coisa... dos desenhos animados preferidos dele, do cachorro que tinha sido atropelado e morreu. O nome do cachorro era Toy, ele ganhou de presente da sua mãe, mas Toy cruzou com um carro em alta velocidade e foi embora dessa vida... Ele disse que um novo cachorro ainda vai substituir Toy.
O exame clínico foi concluído e agendado novo retorno, e ele saiu com cara de felicidade como se não acreditasse que era somente aquilo, que até esperava uma agulha enorme conforme falaram seus coleguinhas na escola... E saiu falando: " Acabou neh? agora vou assistir o Ben 10...". Confesso que não conhecia o personagem de desenho animado, uma criança com poderes alienígenas lutando para salvar o planeta de forças do mal...
Cinco anos podem representar muita coisa, ou nada, diante do mundo que se encontra aos nossos pés, de tanta informação boa e má, de tudo que pode nos guiar para tantos caminhos...
Aquele garotinho não chorou, não gritou, não reclamou, ele só contou sua história, um pedaço da sua vida deixado na cadeira odontológica...

amilton

O Poder do Beijo










Dos 12 pares de nervos cranianos que temos, cinco são estimulados quando beijamos, enviando mensagens dos lábios, da língua e do nariz ao cérebro, que processa todos os movimentos que acontecem. Trinta e quatro músculos funcionam ao mesmo tempo e há liberação de oxitocina, também conhecida como o" hormônio da união".
Alguns primatas alimentaram os filhos boca a boca, primeiro mastigando a comida e depois passando-a para o filhote, e essa pode ter sido a origem do beijo. O beijo sem transferência de comida é uma expressão quase universal de amor e afeição entre os seres humanos. Nossos "primos" chimpanzés também se beijam.
Somos a única espécie com lábios que se dobram para fora e com uma cor distinta que os diferencia do restante da pele.
Fomos projetados para beijar. Pelo menos 90% da população do mundo pertence a uma cultura na qual se trocam beijos. Sigmund Freud achava que a origem do beijo está no modo como os bebês se alimentam. Freud considerava o beijo como a busca do seio da mãe nos lábios dos outros.
Uma pesquisa realizada pela versão espanhola do Match.com, famoso site de encontros pela internet, revela que uma em cada quatro pessoas abandona o parceiro porque não ficou satisfeita com seu beijo. Dentro do grupo, 42% afirmaram que foi no beijo que perceberam que a química não dava certo. Outros 15% mencionaram que o parceiro parecia "lambê-los", um tipo de beijo aparentemente não muito popular.
Para reduzir o risco do uso inadequado dos lábios, há muitos livros que prometem transformar os leitores em beijoqueiros especializados. Em A História Íntima do Beijo (Matrix Editora), a jornalista Julie Enfield desvenda os mistérios dessa arte e investiga as origens e até a alquimia do beijo. Julie afirma que "tudo começa com um beijo. Nós nascemos a partir do primeiro beijo dos nossos pais, e a lembrança mais antiga que todo mundo guarda é dos beijos carinhosos da própria mãe.
O site www.valebeijo.com.br traz desde um "cardádio de beijos", passando por um "Regime de Beijos", com dicas para emagrecer beijando, até um fórum no qual os interessados podem dividir suas experiências e expectativas com relação aos beijos. Tem ainda o cine beijo, um link com fotos dos beijos que entraram na história do cinema mundial. Pelo site você também pode enviar um "e-beijo" para quem você gosta: basta digitar o e-mail do destinatário e escolher o tipo de beijo que quer mandar. Já o www.bestkisses.com é um blog que reune fotos de beijos mandadas pelos usuários do blog. Vale a pena conferir.



Fonte: Seleções Reader's Digest Junho 2009.

Doces, Doces e Doces


Nosos valores são moldados diariamente, seja na convivência no lar, seja na escola, seja nas relaçoes no trablaho, enfim, estaremos sempre adquirindo novos valores, e mudando sempre.
Assimilar novos conceitos e novos hábitos é extremamente necessário para nos posicionarmos diante do mundo, diante de nosso mundo, de nossa vida cotidiana. Esse valores e hábitos quanto mais saudáveis melhores para cada um de nós. As noções básicas de higiene bucal devem ser iniciadas no lar, e dessa forma os pais devem dar exemplos a serem seguidos. Na prática, na grande maioria, não funciona bem assim. Muitos pais não cuidam como deveriam da saúde bucal de seus filhos, talvez não tiveram acesso a informação e não praticam bons hábitos de higiene bucal. Os filhos, então, não veem diariamente o exemplo do bom uso da escova, do fio dental, da alimentação saudáveis etc etc. Muitos ainda estão à margem de toda informação, e alguns quando possuem acesso fácil a uma variedade de informações não aplicam devidamente, não praticam.
Uma mãe tentava desesperadamente fazer com que sua filha de seis anos entrasse no consultório odontológico para consulta, mas a garotinha não mostrava interesse algum, e chorava, e chorava... Foi então que,subitamente, a mãe começou a falar alto,"-Filha, vamos entrar no consultório,quando sairmos daqui mamãe vai comprar muitos chicletes e pirulitos pra você..."".A garotinha calou-se, silêncio total, e ficaram paradas as duas na porta do consultório, e eu sem acreditar naquilo tudo, de boca literalmente aberta. A garotinha entrou, sentou na cadeira, e começamos a conversar. Separadamente conversei com a mãe e expliquei a importância de estimular uma alimentação saudável, e não o consumo exagerado de doces e balas,principalmente na porta do consultório. Vejo muitos pais e escolas estimulando o consumo de doces exageradamente,sem regras,vendidos na cantina da escola,consumidos na sala de espera do consultório.Certa vez ,eu distribui escovas e creme dental numa escola, além do trabalho educativo,e no dia seguinte o pessoal da ação social passou distribuindo chicletes, pirulitos. No dia das crianças, muitas escolas distribuem como presentes sacos e mais sacos de chicletes,pirulitos. Conversar, explicar para todos a importância de uma alimentação saudável para evitar a doença cárie,e estimular hábitos saudáveis são estratégias que devem ser constantes na rotina de trabalho,mesmo nos deparando com casos como o citado anteriormente. Mas se começarmos desde cedo possivelmente teremos um geração bem mais consciente.

amilton

O Pé do Meu Dente II


A imaginação de Marcelo continua a mesma de sempre. Sonhar acordado faz dele um personagem de um mundo cheio de fantasias, cheio de possibilidades.
Os amigos de Marcelo nunca imaginaram um mundo aonde de dentro de suas bocas pudessem brotar árvores, que dão frutos, que são verdes, outras vermelhas, ás vezes amarelas. O mundo de Marcelo não pára, a imaginação dele vai além da solidão que ele carrega diariamente. Ele nunca disse que nos seus sonhos os dentes falam, e que fadas e gnomos o carregam para mundos distantes.
Na imaginação de Marcelo a boca está cheia de galhos, que precisam ser cuidados. As árvores que dão frutos, que precisam ser cuidados... O Pé do Dente de Marcelo cresce. Ele já imaginou uma árvore tão grande saindo de sua boca que ficou imóvel de tão pesada que era a árvore. Daí ele se questionar por que os dentes não são árvores de verdade, por que só no mundo dele os dentes se parecem com árvores. Muitas dessas árvores são destruídas diariamente, seus frutos são dizimados, exalam odores fétidos.
Certa noite Marcelo acordou assustado, nunca tinha sonhado com uma árvore tão grande saindo de sua boca. Essa era a maior de todas que ele já imaginara acordado, e ela era tão grande,mas tão grande que sua boca parecia um pequeno botão. Ele acordou e correu pra frente do espelho, queria ver,queria sentir seus dentes, sua língua, suas bochechas.
Marcelo já plantou várias árvores na rua onde mora, ele acredita que o mundo precisa realmente de árvores, que estão destruindo muitas por aí... Mas poucas pessoas são como Marcelo, nenhum de seus amigos da escola acreditariam nele, e por medo de ser tachado de louco,Marcelo se cala, se tranca num mundo imaginário. E seus melhores momentos são com ele mesmo, no silêncio da noite trancado no seu quarto.
Desde o dia que ouviu a expressão "o pé do meu dente",pois sua avó materna sempre usava essas palavras ao se referir às dores que seus dentes causavam, Marcelo passou a imaginar que da boca sairiam árvores,galhos, frutos... e a realidade misturou-se com a fantasia à partir do momento que ele se interessou por árvores e em plantá-las. O mundo verde de Marcelo é bem melhor do que o mundo cinza de muitos garotos de oito anos de idade que vagam por ai, sem lar, sem escola,sem família... Mesmo com seus dilemas, Marcelo é feliz dentro de seu mundo de fantasias e sonhos.
E os sonhos de Marcelo continuam....


amilton