Mostrando postagens com marcador Sorriso. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Sorriso. Mostrar todas as postagens

A Xerox do Dente



      Meses já se passaram depois que um jovem chegou ao           consultório odontológico querendo tirar ,literalmente,uma “xerox da cara dele”,como ele próprio me relatou no post intitulado A XEROX. 
Então, hoje, pela segunda vez, um outro paciente de 26 anos também usou xerox para se referir à radiografia. Diferente do primeiro, este já trazia a xerox que foi “batida”, segundo ele, por outro dentista.
       “Olha só doutor, o senhor tem que dá uma olhadinha na xerox que trouxe, que foi batida por outro doutor,antes de mexer no meu dente...”. “Olhar a xerox amigo?!? Que xerox?”. Foi aí que o outro paciente caiu na minha lembrança, e logo falei: “Radiografia, você quer dizer ?”, e ele respondeu: “Isso mesmo doutor!!! Radiocafria!!!”.
       Ele retirou a radiocafria,ops,radiografia do bolso e me entregou. E começou a falar que não entendia porque dentista tirava tanta xerox de dente,pra que serviria tanto aquilo... E conversamos sobre coisas que não podem ser vistas a olho nú,e que se escondem e que precisam ser desvendadas.Lembrei do blog Te Vejo por Dentro da  Kellen,e da importância de tanta xerox de dente no mundo. Sem elas tudo ficaria  muito mais complicado.
       E o paciente esboçou um sorriso e soltou : “É bom bater essas radiocafrias porque não doeu nadinha... gostei muito,se precisar pode mandar eu ir lá de novo doutor!!!”.
       Bem,não foi necessário,mas ele até entendeu que por debaixo de tudo que pode ser visto ainda existe muito mais a ser desvendado...

A História de Ricardo


Quando encontrei Ricardo pela primeira vez ele parecia um garoto de cinco anos muito tímido,mas bastaram algumas palavras para a timidez dar lugar a largos sorrisos no rosto e muitas,muitas histórias contadas por Ricardo...
Cursando a pré-escola, mas com oito e não com cinco anos como aparenta, Ricardo é o centro das atenções aonde passa. A timidez logo dá lugar a uma metralhadora ambulante que fala,fala e fala. E as palavras saem,muitas vezes,sem nexo, mas vão ganhando sentido à medida que entramos no mundo particular dele,e damos vazão às suas histórias que correm soltas,livres.
A sua experiência com dentista era zero,ele nunca teve acesso ao consultório odontológico,e descobrimos ao lhe dar uma escova de dente que aquele não era um hábito na sua vida. Não tinha noção de como segurar a escova, de como usá-la. Fomos perseverantes com Ricardo, seguramnos diversas vezes suas mãos e repetimos incontáveis vezes a técnica de escovação. No final, ele já estava fazendo tudo sozinho. E sentiu-se orgulhosos por ter aprendido tudo. Era só olhar o sorriso que estampava seu rosto.
Ricardo não nos deixou um só minuto durante os dias que estivemos na escola que ele estuda. Alguns coleguinhas que se recusavam a realizar as atividades educativas em Saúde Bucal eram encorajados por Ricardo a perderem seus medos e seguí-lo,e ele preocupava-se com seus amiguinhos. Exemplo de amizade e carinho por quem não recebe tanto diariamente. Ricardo é filho de pais separados,mora com a mãe eo padrasto numa casa simples,e frequenta a escola a alguns quilômetros de casa.
Vimos ele repetir por duas,até três vezes a merenda que era servida,talvez a única refeição do dia.
De algumas de suas histórias ficou a lembrança de que ele adoraria ganhar um celular de presente, e o passatempo predileto de Ricardo era fazer ligações imaginárias para um número que só existia na cabeça dele. E ele conversava,conversava e ia levando um diálogo todo improvisado através de seu celular imaginário. Em nosso último dia naquela escola demos de presente um celular de brinquedo para Ricardo. Agora fico relembrando a primeira expressão de seu rostinho,atônito,como se não acreditasse no que estava nas suas mãos tão pequenas... Pegou o celular com muita força,talvez querendo saber se era real ou não,e de ímpeto começou a fazer ligações imaginárias,agora através de um aparelho mais físico,mais real... Ganhamos aquele dia!
Diversas vezes ele dramatizava andar numa moto,acelerava e saia correndo... os professores e alunos adoravam esssas peripecias de Ricardo,e riam,e ele também ria como se não entendesse nada.
Talvez Ricardo passe por inúmeras dificuldades diariamente,mas o que mais me chamou a atenção foi sua felicidade diária, sua capacidade de ser feliz fazendo os outros rirem de suas brincadeioras inocentes.
Que muitos Ricardos possam existir,ainda,dentro de cada um de nós...

amilton


PS.: Os nomes são fictícios,mas a história é real.

O Curioso Caso de Maria Aldenete


Maria Aldenete tem 29 anos, mas um corpo de criança de oito meses. O dente ainda é de leite, o cabelo ainda é o mesmo de quando nasceu. Moradora da comunidade de Muquém, municípido de Caucaia,na região metropolitana de Fortaleza, Maria Aldenete passou todos esses anos praticamente isolada. Sofrendo de disfunção hormonal por problemas na tireóide, ela envelhece num corpo de criança.
O que mais me impressiona neste caso, é o completo abandono pelo qual essa família passou por todo esse tempo. Foi preciso programas televisivos sensacionalistas usarem a história dela para poder ser feito alguma coisa, e isso depois de 29 anos porque se ela tivesse tido acesso a um tratamento de reposição hormonal, teria crescido, falaria.
Reproduzirei na íntegra o texto da repórter Ana Mary C. Cavalcante, do Jornal O Povo de Fortaleza,publicado na edição desta quarta-feira, vale a pena ler e refletir:
"Não foi fácil ir até onde Maria Aldente está. Há caminhos frágeis e sinuosos até Muquém. É necessário um cuidado constante, palavra por palavra, para não derrapar em um jornalismo sensacionalista e inútil. É indispensável, sempre, ser cuidadoso ao entrar na casa das pessoas que têm uma vida de taipa.
Aldenete não é apenas a menina que não cresceu, ou " a menor mulher do mundo" ( como quer um programa de televisão local). Aldenete é a criança que não correu, a moça que não foi desejada, a mulher que não houve. E poderia ter havido.
Muquém está encravada nos cafundós de Caucaia, no meio do mato, é verdade. Mas é fato também que está ali, na região metropolitana da quinta maior capital do país. O curioso caso da jovem de Muquém chama a atenção, principalmente, para o descaso do poder público.Ela não teve acesso à saúde, é o diagnóstico mais desumano que ouvi em toda essa história. A prefeitura local diz não ter suporte para tratamento adequado, e a população acaba por eleger apresentadores de TV como presidentes da república ( em letra minúscula mesmo).
Alguém vem dar casa. Outra emissora leva até o hospital. E quem vai ensinar o agricultor a pescar? Quem vai ensinar seu Mundico e dona Dôra a entender seus direitos? Que se dê a casa, é preciso ( e urgente). Que se possibilite o tratamento (é vital). Mas eles vão continuar pedindo à televisão. Porque ainda vão faltar o caminho para seu Mundico, a infância para Tamires, o mundo-do-lado-de-lá--asfalto para Nira.
Cabe ao poder público o mesmo cuidado que o jornalismo deve ter, pessoa por pessoa. cabe ao estado brasileiro garantir a moradia, saúde e vida para todos. É preciso, por exemplo,assegurar uma escola para Tamires, 5 anos, para que ela também não envelheça sem crescer, como a irmã. Quanto a Aldenete, meu Deus, que um dia ela consiga dizer que está com fome.
Enacara Aldenete não é fácil. É desconcertante vê-la sorrindo. Não porque ainda tenha dentes de leite e um corpo que não era para ser seu, que não lhe cabe. Não. É difícil encara Aldenete porque ela é a imagem de um Brasil que, aos 509 anos, não se desenvolveu da maneira que era para ser. E não se sabe se tem jeito."
E muitas Aldenetes ainda vivem por aí, escondidas em mundos que não passam na tela da TV, e que podem estar bem perto de nós.
Que absurdos como esse naõ sirvam para que entendamos o quanto inúmeros irmãos precisam de nossa ajuda para poder sorrir dignamente.

amilton