Alfadentizar
Educação e saúde são dois pilares fundamentais do desenvolvimento humano,sem o primeiro nos tornamos manipuláveis e sem o segundo nossos dias se tornam cada vez menores,e nossa existência passa a ser mais sofrível. Podemos viver em perfeita harmonia com os dois,mas na maioria das vezes não depende somente de nós, geralmente recebemos educação e geramos saúde a partir dessa situação. E quando nos é negada essa educação? E quando ela é falha?
Dentro do consultório odontológico uma situação me colocou diante de uma realidade que eu já reconhecia,apenas não aceitava ainda. Pois é, às vezes também nos deixamos levar pelas máscaras que o sistema nos impõe,e acabamos aceitando que está tudo muito lindo,tudo muito organizado. Ao atender um adolescente de 13 anos,cursando a terceira série primária,acabei descobrindo que ele não sabe assinar o próprio nome,e muito menos ler. Ao pedir que assinasse seu nome na ficha de produção diária de procedimentos,ele me disse que não sabia,e que nunca tinha assinado. Perguntei como ele tinha passado de ano,como conseguiu aprovação,e ele me respondeu que as professoras sempre o passavam,mas que nunca tinha se preocupado em mostrar a ele como assinar o nome nem muito menos ler um texto.
Conversei muito tempo com ele,vi sua capacidade de raciocinar,de formar frases e que sua timidez ia sendo perdida,e que cada vez mais me conscientizava que aquilo tudo era um tremendo absurdo.
Sempre visito as escolas do local aonde trabalho,pois coordeno um programa de saúde bucal,e justamente tive a oportunidade de ir até a escola na qual o paciente estuda. Se não fosse por necessidade teria ido mesmo pela minha consciência ,pois os questionamentos não paravam em minha cabeça.
Chegando à escola,procuro a direção,e ao conversar com os responsáveis busco respotas para toda a situação. E pasmem,a diretora me relatou,na minha cara,"não doutor,nem ligue pra ele não,ele não é normal não!!! já tentamos muito fazer ele escrever,mas ele não aprende nunca!!!". Falei pra ela que ao conversar com ele não vi nenhum traço de loucura,e perguntei como elas passavam ele de ano sem ao menos saber assinar o nome. E outra resposta absurda: "doutor,temos o projeto acelerar,então ninguém pode ficar reprovado,pois a escola perde pontos e o governo não quer ninguém reprovado". Pois é amigos,o nosso governo quer números,nosso presidente quer números,quer estatísticas que mostrem o fim do analfabetismo,e dessa forma "aceleram" o aprendizado. E "aceleram" também o desemprego,a pobreza, a fome, o crime organizado, as injustiças socias....
Saí da escola triste,e vi que não tinha mais jeito,a não ser que o pequeno adolescente mudasse de escola, e isso não dependeria de mim,infelizmente...
Ele vai continuar voltando ao consultório,e vou continuar estimulando seu aprendizado,mostrar que é uma obrigação da escola ensiná-lo a ler e escrever. Para não criar maiores transtornos resolvi ficar por aqui com essa história,pois poderia muito bem buscar alternativas na secretaria de educação,mas talvez só piorasse a situação e me revoltasse mais ainda,pois acabaria descobrindo que como esse devem existir mais e mais casos...
Abraço a todos
é triste, é mais do que isso até.. pensar que pessoas que não tem consiciência do problema que causam as outras.. será que elas conseguem imaginar que mais tarde essa pessoa vai se tornar traumatizado por se achar "burra" e não saber nem ler.. é. acho que o inferno é maior do que imaginamos... bom caso amigo.. espero que as pessoas pensem mais sobre isso..
Olá Amilton!
Em casos como esses a nossa impotência fica mais evidente. Nós lutamos pela democracia e a temos. Não sabemos usá-la, mas a temos. Democracia é fazer valer a vontade da maioria, se a maioria não for capaz de distinguir o que é bom do que é ruim para ela mesma, então, todo mundo padecerá junto. E é aí o início da catástrofe. Governantes querem uma maioria incapaz, produzem essa maioria com muito carinho e e amor por seus próprios bolsos, e a maioria vai se virando como pode e achando que está bom assim, cada um com seu umbigo e assim se toca o barco. E é aí que a democracia deixa de ser a favor da maioria, quando adotamos como comum apenas as coisas boas e as ruins deixamos como "problema dos outros e quem quiser que resolva". Não sei até que ponto isso é errado, não sei se tem volta, não deposito muita esperança no ser humano, adimito... Mas, tbm adimito que me perco nessa selvageria e fico tão egocêntrico quanto qualquer outro. Tbm fecho os olhos para tantos problemas... Como mudar isso? Não sei, esse papo de mudar votando já é comprovadamente não muito útil. Ah, sim... Sou brasileiro e às vezes desisto. Mas não desisto de acreditar em pessoas capazes como vc. Belo texto. Abraço
Realidade nua e crua do nosso país, amigo. É realmente uma pena presenciar todos os dias o descaso tomar conta do nosso dia-a-dia.
Façamos, pelo menos, a nossa parte e, de alguma maneira, deixemos a vida de meninos como esse com um pouco mais de sentido.