Pecados....


Muitas situações ainda me surpreendem, muitas histórias ainda me fazem pensar o quanto díspares nós somos, quantas angústias carregamos no silêncio diário de nossas vidas, quantos medos abafamos, e quantos sofrimentos desnecessários criamos diariamente.
Duas vidas, duas crianças, dois futuros tão diferentes... São essas as imagens que guardo de duas pacientes que chegaram ao consultório trazendo além do medo e ansiedade, algumas lições. A primeira grávida aos 16 anos de idade, relatou que não esperava ter a criança, que não estava nos seus planos tê-la, confessou-me até que no início fez planos para cometer um aborto, felizmente não o concretizou. Aos sete meses de gestação, carrega no seu âmago a dúvida, a incerteza quanto ao futuro dela e da criança... Uma criança despreparada pela família, pela sociedade, enfim,marginalizada, à procura de apoio, de carinho, de informação para continuar seguindo sua vida sem erros, sem medos... Neste exato momento, de acordo com o que ela me relatou, a sua grande insatisfação relaciona-se, não mais com o fato de estar grávida, mas por não ser batizada, isso mesmo, ela é católica,frequenta a igreja,mas nunca foi batizada, e colocaram na cabeça dela que ela não é "gente", que o filho dela pode nem nascer por causa disso, e que ela está no "inferno" por não ser batizada... Depois que ela desabafou esses medos, parei e pensei no quanto a religião, a família, a escola são importantes para moldar a personalidade ,e que educação é tão importante,e não falo somente de aprender a escrever o nome para passar de ano, mas saber distinguir o certo do errado e não ser manipulado, não se sentir um fantoche nas mãos dos outros... Tentei mostrar para ela que Deus não a punirá por ela não ser batizada, que o filho dela não morrerá por causa disso, que ela fique tranquila e espere a hora do parto, e mais, que o inferno somos nós que criamos em nossas consciências, e que ela tenha paz de espírito, cuide da sua sáude e faça de tudo para ter um filho saudável,mesmo que em condições adversas.
A segunda paciente, uma criança de apenas nove anos sentou na cadeira odontológica e não parou mais de falar... Incrível a capacidade dela de articular histórias, de contar seus medos, suas necessidades, talvez a ansiedade, o medo da situação tenha colocado-a diante de um impasse, falar para esquecer , para criar subterfúgios que fujam à dor. Adorei ouvir suas histórias, o dia do nascimento, com data,hora,minutos e segundos... Nove anos e muitas histórias,e sonhos para um futuro promissor relatado pelo gosto da leitura, felicidade estampada no rosto,mesmo faltando muito.
As duas são socialmente inseridas na mesma comunidade, frequentam a mesma escola,mas são tão diferentes que parecem ser de dois mundos tão dístintos quanto longínquos. As características inatas de cada uma, a história delas segue trilhas diferentes, e os finais poderiam ser o mesmo se tivéssemos mais educação, esporte, lazer de qualidade, famílias equilibradas, professores adequados,enfim,uma sociedade onde não houvesse ninguém à margem, à mercê de conhecimento, de carinho, de afeto.


Abraço a todos.

A Faca


A diversidade de pacientes muitas vezes ainda me faz parar e pensar, no quanto somos iguais e ao mesmo tempo tão diferentes. Nossos medos, nossas dúvidas, nossas tristezas, nossas alegrias são tão parecidos que o nosso egoismo às vezes nos faz pensar que somos únicos, que somos os únicos a sofrer,ou os únicos a sorrir... Não somos, nem nunca seremos nós mesmos sem estarmos preparados a aceitar o outro,mas antes temos que nos aceitar, nos amar, nos respeitar,e tudo mais vem de volta, é a lei de causa e efeito,se dou amor,receberei amor...
Depois de alguns pacientes atendidos encontra-se uma faca debaixo da cadeira odontológica. Não era minha, muito menos da auxiliar que foi logo assustada se justificando,pois então, de quem era a faca?!? Passamos alguns minutos discutindo, criando e "viajando" em idéias absurdas para a origem da faca,mas nada de concreto,nenhuma solução viável. Depois de abordados todos os funcionários da unidade, e de sabermos que nenhum deles era o dono da faca, é claro que só poderia ser de algum paciente que a deixou cair logo após o atendimento. Mas qual paciente? Quem levaria uma faca para um consultório odontológico? Quais os motivos? E como a deixou cair sem vestígios, sem barulho? Dúvidas e mais dúvidas...
A faca, de uns 15cm,devidamente protegida por uma bainha verde foi guardada à espera de seu dono. Será que ele(a) aparecerá ? Estamos aguardando ansiosos...

amilton

Voltar e Recomeçar....


Depois de muitos planos traçados,seguidos ou não, sempre estaremos voltando,prontos ou não. Muitos são os caminhos, muitas são as escolhas, às vezes seguimos trilhas nunca antes planejadas, nunca antes imaginadas.
A volta sempre será marcada por alguns traços, sejam eles bons ou ruins, brancos ou pretos, doces ou amargos. Alguns ficam, outros vão e muitos passam incólumes, muitos deixam marcas, boas ou más...
Com o tempo descobrimos que muitas trilhas nunca imaginadas se tornaram caminhos seguros e amenos.
Com o tempo descobrimos que muitos abrigos sempre seguros se tornaram perigosos labirintos.
E estaremos sempre expostos a perigos...
E seremos sempre moldados pelas nossas escolhas...
E terminaremos sempre começando...
E voltaremos sempre a recomeçar inúmeras vezes...
E descobriremos quantas dúvidas, quantos anseios, quantos caminhos, quantas trilhas ainda temos que percorrer...
E chegaremos ao final cansados, marcados pelo suor, mas estaremos sempre dispostos a recomeçar.

amilton